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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Voar

V de Viver, 30.07.20

Hoje, depois de ter mergulhado na água salgada, e após um banho relaxante, peguei no livro "Sagrado Feminino" da Inês Gaya. Logo a primeira impressão que o livro nos transmite é a de que vamos encontrar algo. Algo nosso, dentro de nós, perdido ou esquecido. Contudo, nada vos posso falar acerca do livro pois ainda só li a introdução. E não foi preciso passar daí para logo ser assolada por algo que eu sei que me incomoda, já há algum tempo, mas que teimo em reprimir. A Inês descreve o livro como sendo para todas as mulheres. E foi, justamente, nesse parágrafo, quando li a palavra mãe, que algo quis, novamente, emergir. Alguns minutos antes de começar a ler o livro falei com a minha mãe. Hoje ela vai a uma consulta. Nada grave, felizmente. No entanto, é ainda mais nesses momentos, que sinto que estou a falhar como filha. Após a minha escolha de vir viver para o Algarve, por vezes sinto que falho à minha mãe por não estar mais presente na vida dela. Mas não me interpretem mal. Falo com a minha mãe três ou quatro vezes por dia. Por vezes, mais. Mas refiro-me a estar lá. Presente fisicamente. Refiro-me a não a acompanhar a consultas, não lhe pegar na mão, não a beijar e abraçar diariamente. Às vezes tenho medo. Medo que lhe aconteça alguma coisa e eu não esteja lá para a apoiar no exacto momento em que ela precisar. Medo de não lhe amparar a queda, como elas fez comigo inúmeras vezes. Medo que o tempo que demora uma viagem de 200km possa ser longo demais. 

O medo não é bom. Consome-nos, devagarinho. Eu não penso nisto a toda a hora. Mas por vezes, como hoje, sinto-me uma péssima filha. Péssima por não retribuir, diariamente, tudo o que ela fez por mim, por não a abraçar e beijar todos os dias como ela fez comigo enquanto vivi com ela. Receio um dia olhar para trás e ver que fiz a escolha errada. Que podia ter escolhido viver no Alentejo, perto dela. Receio estar a ser egoísta ao querer viver aqui. Contudo, sei que precisava afastar-me. Fui muito feliz no Alentejo, minha terra natal. Mas tudo o que nos faz muito felizes pode, no reverso, fazer-nos muito infelizes. E é assim que olho para a minha vida no Alentejo. Foi, sem dúvida, um privilégio viver a maior parte da minha vida ali, no meio da Natureza. Mas toda a minha infância, adolescência e entrada na vida adulta foi um percurso de extremos. Fui de um extremo ao outro várias vezes e, quando consegui, fugi!

Mas o problema de fugir do que me fez infeliz foi que me levou a afastar daquilo que me fez feliz. 

A minha família. A minha mãe. A minha irmã. Ficaram lá. E eu, por aqui vou vivendo. Por vezes surgem estes episódios de sensação de fracasso enquanto filha mas sei que a minha mãe se orgulha tanto de mim como eu dela. Provavelmente mais. Não tenho como saber quais são os sentimentos de uma mãe porque não o sou. Mas por vezes sinto-me mal por estar longe. Sinto vontade de largar tudo e correr para os braços da minha mãe. Quando penso no tempo que estou a viver fisicamente afastada dela, apodera-se de mim um medo irracional de a perder. Mas sei, no entanto, que todo o "rasgar" de cordão umbilical é necessário. Sei que foi o facto de vir para longe que me moldou, tornando-me quem sou agora, além de todos os ensinamentos transmitidos pela minha mãe. É preciso voar. E para voar é preciso sair do ninho. O que não significa que isso seja fácil, simples ou indolor. Contudo...quem disse que o caminho seria fácil?

Magia

V de Viver, 29.07.20

Estrada na Floresta.jpg(Imagem: Pintrest)

Tudo ao meu redor é verde. O vento sopra ligeiro mas fresco. Os pássaros cantam. Uma sinfonia mesclada pelas inúmeras espécies diferentes de cantores com asas. Ouço o zumbido dos insectos. O rastejar dos répteis. O coaxar de um sapo, longínquo. As folhas das árvores oscilam com a brisa proporcionando uma melodia harmoniosa. Os raios do sol chegam até mim por entre a folhagem. Linhas quase impercetíveis de pequenas partículas de luz. Respiro fundo. Sinto o ar fresco a entrar, lentamente, nos meus pulmões. Fecho os olhos. Inspiro. Expiro. Inspiro novamente. A fresquidão que entra no meu corpo arrepia-me. Expiro. Dou um passo. Ouço os galhos e folhas secas a restolhar sob os meus pés descalços. Sinto a terra. Liberdade. É a palavra que melhor descreve o que sinto neste momento. Abro os braços e começo a girar. Lentamente para não ficar zonza. Dou uma volta. Outra. E outra. O cabelo, guiado pela aragem fresca, toca-me o rosto. Viva. Sinto-me viva. Dou mais um passo na terra húmida. Sinto e ouço a Natureza. Outro passo acompanhado de um ímpeto, uma vontade absurda, de correr. Não de fugir, mas de correr. De sentir a terra sob os meus pés, a pele em contacto com as folhas. De ouvir os pássaros, ouvir o vento. Enceto uma corrida lenta. O vento refresca-me o rosto, limpa-me a pele. O ar entra, gélido, nos meus pulmões, para de seguida sair, quente e arrastando com ele todas as sensações desagradáveis. Corro. Corro. E corro. E não me sinto cansada. Sinto-me limpa e purificada. Abro os olhos e tudo à minha volta é verde, é paz, é puro e fresco. Os olhos acostumam-se à luz. E estou aqui, na minha casa. E apercebo-me, não pela primeira vez, daquilo que a imaginação nos pode proporcionar. O meu corpo não saiu de casa. Mas a minha mente? A minha mente viajou até um lugar mágico. 

Solitude

V de Viver, 26.07.20

Ultimamente sinto apoderar-se de mim uma imensa vontade de estar sozinha.

Não sozinha no sentido de não sair da cama, não abrir a janela, chorar ou sentir-me deprimida. Nada disso.

É mais como uma necessidade de estar com alguém de quem preciso, de quem sinto falta, alguém que neste caso sou eu.

Nesta última semana tive cá por casa o meu tio e a minha afilhada. Devido a ter crescido sem pai, os meus tios, maridos das irmãs da minha mãe, acabaram por fazer, todos eles, um pouco o papel de pai. Dois deles mais que os outros. Um deles foi o que esteve cá durante a última semana, com a filha dele que, como já disse, é minha afilhada. Ter cá a minha família é das coisas que mais alegria me dá. Contudo, e sinto-me um pouco mal por dizer isto, acabei por me sentir dividida quando eles, ontem, foram embora. Se, como disse anteriormente, tê-los cá é das coisas que mais me preenche, por outro lado, ter ficado sozinha também me agradou. Sinto-me mal por dizer isto, sinto-me... não sei, talvez egoísta seja a palavra certa. Mas é o que sinto, sem dúvida.

Sinto-me bem quando estou sozinha. Sinto-me feliz na minha companhia. Gosto de caminhar sozinha. Gosto de ver filmes sozinha, passear sozinha, fazer as minhas refeições sozinha. Gosto de limpar a minha casa apenas e só pelo prazer de, no final da limpeza, me sentar no sofá e apreciar o momento. Gosto de passar horas agarrada a um livro sem ouvir ruídos, sem telemóvel, sem pessoas.

Enfim, gosto da solidão. Acredito que solidão é uma palavra forte, muitas vezes entendida como algo negativo. Mas não sei se por força do hábito ou por ter sido algo com que sempre tive que lidar, a solidão não me assusta. Não tenho medo de estar sozinha. Pelo contrário. Gosto de estar sozinha. 

Por vezes, o que me assusta é esta minha necessidade de solitude. Já recusei muitas idas à praia, muitos jantares de amigos ou de trabalho, muitos cafés ou cervejinhas ao entardecer. Tudo porque prefiro estar sozinha. Ainda há pouco, aqui sentada na minha velha cadeira de plástico na varanda, me recordava de que há umas semanas tinha falado com uns amigos e tinha dito que logo que tivesse um tempinho marcávamos (em casa) o tal jantar que andamos a adiar há meses. E sabem que mais? Eu estou de férias e tempo é coisa que não me falta. Mas, simplesmente, prefiro ficar sozinha. 

Não sei se isto é bom. Não sei se é mau. Nem sei quem é que pode analisar e afirmar o que é bom ou mau, certo ou errado para cada um de nós. A única coisa que sei é que cada vez mais sinto necessidade de me isolar das pessoas. Sinto que estou cansada das pessoas. E não vou mentir: isso assuta-me. Mas é algo que é mais forte que eu. Não é que eu não possa, agora mesmo, ligar a amigas e ir beber café, ou apenas dar um passeio. Eu posso. Mas não quero. 

Há cerca de quatro anos, quando vim viver sozinha, apareceu-me por acaso, ao "navegar" nas redes sociais, uma frase que me lembro de partilhar na altura. É algo que se foi mantendo actual na minha vida. Mas sem dúvida que nesta fase é, novamente, algo que faz muito sentido para mim:

"Você chega em casa, faz um café, senta na sua poltrona favorita e não tem ninguém... Você que decide se isso é solidão ou liberdade"

Para mim, solidão e liberdade sempre andaram de mãos dadas. E continuam a andar.

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