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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

O que resta quando acabam as ilusões?

V de Viver, 27.10.20

O que fica depois do fim? Pedaços de nada. Um buraco no peito que insiste em doer. Mesmo quando, no mais profundo do teu ser, tu já sabias que tinha acabado. Mas o fim, dito em voz alta, é muito definitivo. Embora saibamos que nada dura para sempre, acredito que vivemos na esperança de que algumas coisas durem o tempo que dura uma vida. Algumas até duram. Poucas e cada vez menos. Nós não durámos. E o que resta quando acabam as ilusões? Dor, mágoa, saudade. É impossível não agradecer pelo que tivemos, mas é, também, impossível não doer pelo nosso fim.

As coisas são o que são. Duram o tempo que duram. Não deixou de ser especial, não passou a ser um arrependimento, nada disso. Fomos felizes, à nossa maneira. Mas as separações custam sempre. Quem vai leva sempre um pedacinho de nós. Deixa-nos, por uns tempos, com falta de um pedaço. Tu levaste contigo uma parte do meu coração, será sempre tua. 

Sempre ouvi dizer que não se deve chorar porque acabou mas sim sorrir porque aconteceu. Estou a tentar, juro-te que sim. Mas as lágrimas teimam em cair. Eu sabia que não era para sempre. E sei que assim é melhor. Antes que só nos fizéssemos mal, foi a decisão mais acertada. Mas mesmo aquilo que sabes que é correto pode doer, não pode? Tu dóis-me cá dentro. 

Sinto-me vazia, mas ao mesmo tempo em paz. Sei que este era o único caminho. Mas guardo-te com amor dentro do meu peito, bem no sitio onde deixaste um buraco. 

A vida é isto. As coisas começam, as coisas acabam. As pessoas amam-se, e deixam de ser amar. Juntam-se e afastam-se. Mas nunca ninguém disse que seria fácil chegar ao fim, afastar dois corações que se quiseram muito. Sim, gosto de pensar que foi recíproco. Se não o fizer acabo por desmoronar. 

Independentemente de tudo, a única coisa que me consigo perguntar é: o que resta quando acabam as ilusões?

Mais cedo ou mais tarde, descobrimos sempre onde é o nosso lugar

V de Viver, 26.10.20

Ainda à bocado quis fugir daqui. Deixar este peso no peito. Esta vida de incertezas. Deixar para trás o trabalho, as pessoas, a vida em que me encontro. Quis fugir das voltas da vida. Quis ir embora e deixar de me assustar com o tempo. Fugir para um sitio novo. Onde ninguém me conhecesse e eu não conhecesse ninguém. Onde não falasse a mesma língua. Onde não tivesse que sorrir quando só quero chorar. Onde não tivesse que fingir que está tudo bem quando por dentro há um furação a destruir tudo. Quis ir para um sitio longínquo e silencioso. Para uma floresta, para um deserto, para uma praia, qualquer coisa onde só existisse eu. Onde pudesse gritar, chorar e implorar à vida que me desse sossego à alma. 

Mas depois lembrei-me que tudo passa. Lembrei-me que tudo tem, apenas, a importância que lhe damos. Lembrei-me que estou viva, que a vida é minha e que faço com ela o que quiser. Que tudo depende apenas de mim, que eu dependo apenas de mim. Não me sinto melhor, mas sinto-me mais calma. Sei que as coisas vão acabar por se endireitar. Sei que as respostas vão chegar. Tudo vai encaixar, porque acaba sempre por ser assim.

Tenho medo. Quando a vida vem e te muda as perguntas é assim que te sentes, sabes? Perdida e com medo. Porque achavas que tinhas tudo planeado, tudo controlado, e afinal não sabes nada de nada. Mas tenho fé, também. Fé de que as coisas acabem por ir ao sitio delas, porque acredito que elas acabam sempre por ir.

Mais cedo ou mais tarde, descobrimos sempre onde é o nosso lugar. 

Domingo

V de Viver, 25.10.20

Sentada no sofá, enroscada numa manta quentinha, a ouvir a chuva e a ler um romance de Nora Roberts, cresce-me no peito uma vontade imensa de escrever. Apenas porque encontrei na escrita uma forma de me expressar e de colocar as ideias no sítio.

É domingo, chove incessantemente lá fora, e eu estou sozinha. E apercebo-me, não pela primeira vez, do quanto evoluí desde que comecei a apreciar a minha própria companhia. Sempre sofri de uma enorme carência afetiva, mas acredito que isso é comum a qualquer ser humano. Somos seres sociais e de afeto. Contudo, com o passar dos anos, dei-me conta do quão agradável é estar só. Do quanto podemos ser felizes se aprendermos a prezar a nossa companhia. Não posso dizer que era desagradável, num dia como este, estar enroscada no sofá com companhia, a ver um bom filme e a comer umas pipocas. Mas, acredito, essa é uma imagem que retirámos de filmes e livros que pintam a vida com cores amorosas e delicadas. Mas todos sabemos que nem sempre a vida é assim. 

Deixo-me levar pelos pensamentos enquanto vejo a noite ganhar ao dia, as luzes das janelas dos prédios a acender, a vida a acontecer lá fora. A vida nunca pára, o tempo nunca cessa. 

Não me sinto triste, não me sinto sozinha. Sinto-me em paz. E, hoje sei isso, a paz é uma das coisas mais importantes que podemos alcançar na vida. Deixei de me preocupar com companhia, deixei de a mendigar também. Tenho-me a mim e isso chega-me, para já. Por agora, neste momento. Porque todos sabemos que podemos ser sozinhos, mas seremos mais se estivermos acompanhados. 

Sonho com uma família, vejo imagens do futuro a passar-me diante dos olhos enquanto sonho acordada. Um dia. Um dia os domingos de chuva terão outro sabor. Um dia haverá companhia, haverá sorrisos e jogos de tabuleiro. Sim, um dia. 

Para já deixo-me ficar, a apreciar o silêncio e a escuridão de uma noite que chegou molhada e fria. Deixo-me estar aqui, eu comigo mesma, a luz da vela a cintilar, o barulho da chuva a bater na janela e esta sensação de paz que me preenche o coração. 

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