Esperança
V de Viver
Alguém morreu. Eu não conhecia a pessoa, nem a sua história, nem a forma como morreu. Mas era jovem, e desde sempre que a morte de pessoas jovens me afecta. Nunca soube explicar porquê. Não sei se é empatia. Ou se é medo de um dia ser eu ou um dos meus. Sei que todos nós sabemos a teoria: "devíamos aproveitar mais, preocupar-se menos e viver cada dia como se fosse o último". Sim, a teoria julgo que todos a sabemos. Mas quantos de nós colocam essa teoria, efectivamente, em prática? Eu não, confesso. Há já algum tempo que ando, novamente, dentro de mim, a conviver com o meu lado sombra. É assustador como podemos ter tanta dor dentro de nós. É inexplicável. Acredito que essa dor chegou um dia e não foi cuidada. E depois deixamos acumular dor em cima de dor. E o que acontece se deixarmos de limpar a nossa casa durante muito tempo? Acumula lixo, pó, e é muito mais difícil limpar tudo depois. Acredito que seja da mesma forma com as nossas dores. Mas não nos ensinam a lidar com elas. Ensinam-nos que devemos estar sempre bem, alegres e com pensamento positivo. Que estar triste só nos trará mais amargura. Que devemos deixar as coisas seguirem o seu rumo, que "o que tiver que ser será". E sim, eu concordo. O que tiver que ser será. Mas acredito que é preciso perceber de onde vêm as nossas dores, perceber o que temos cá dentro e depois aceitar e deixar fluir. Não devemos fugir do que estamos a sentir, porque por muito que fujamos, o que sentimos acompanha-nos, sempre. Nem sempre está tudo bem. E tudo bem em não estar sempre tudo bem. Senti necessidade de escrever isto porque, realmente, ultimamente tenho-me deixado sugar pela dor. Tenho-me sentido cada dia mais pequena ao lado da imensidão da minha dor. Não estou a conseguir identificar de onde vem isto tudo. Sou uma mulher adulta e independente. Logicamente não tenho, nem sou, tudo o que quero, mas tenho e sou mais do que um dia achei que iria ter/ser. E saber isto leva-me a sentir culpa por estar triste. Porque sei que há pessoas em situações muito piores. Infelizmente lido com a dor e os problemas do ser humano diariamente no meu trabalho. E sei, sei que há vidas piores. Mas ainda assim, e já por várias vezes na minha vida, tenho estas fases negras, estes dias de imensa dor e tristeza. Cercada daquela sensação de estar debaixo de água, a lutar por vir à tona. Mas sei que venho. Sei que mais dia menos dia a cabeça emerge e voltarei a respirar. Voltarei a ser eu. Aquela pessoa alegre e cheia de energia. Por hoje vou continuar a respeitar esta dor. Vou deixar as lágrimas correrem, mesmo que não consiga entender o motivo delas surgirem. Amanhã haverá outro dia. Mas o problema é: haverá mesmo? Estamos tão convencidos que sim, damos a vida por tão certa que às vezes me pergunto se isso não será presunção nossa. Achar que a vida vai estar sempre ali à espera para ser vivida. São questões para as quais não tenho resposta. Provavelmente ninguém terá. Talvez seja a esperança, penso enquanto escrevo. Talvez a esperança de um amanhã melhor seja o que realmente nos mantém vivos, um dia após o outro.