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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

24 Ago, 2021

Esperança

V de Viver

Alguém morreu. Eu não conhecia a pessoa, nem a sua história, nem a forma como morreu. Mas era jovem, e desde sempre que a morte de pessoas jovens me afecta. Nunca soube explicar porquê. Não sei se é empatia. Ou se é medo de um dia ser eu ou um dos meus. Sei que todos nós sabemos a teoria: "devíamos aproveitar mais, preocupar-se menos e viver cada dia como se fosse o último". Sim, a teoria julgo que todos a sabemos. Mas quantos de nós colocam essa teoria, efectivamente, em prática? Eu não, confesso. Há já algum tempo que ando, novamente, dentro de mim, a conviver com o meu lado sombra. É assustador como podemos ter tanta dor dentro de nós. É inexplicável. Acredito que essa dor chegou um dia e não foi cuidada. E depois deixamos acumular dor em cima de dor. E o que acontece se deixarmos de limpar a nossa casa durante muito tempo? Acumula lixo, pó, e é muito mais difícil limpar tudo depois. Acredito que seja da mesma forma com as nossas dores. Mas não nos ensinam a lidar com elas. Ensinam-nos que devemos estar sempre bem, alegres e com pensamento positivo. Que estar triste só nos trará mais amargura. Que devemos deixar as coisas seguirem o seu rumo, que "o que tiver que ser será". E sim, eu concordo. O que tiver que ser será. Mas acredito que é preciso perceber de onde vêm as nossas dores, perceber o que temos cá dentro e depois aceitar e deixar fluir. Não devemos fugir do que estamos a sentir, porque por muito que fujamos, o que sentimos acompanha-nos, sempre. Nem sempre está tudo bem. E tudo bem em não estar sempre tudo bem. Senti necessidade de escrever isto porque, realmente, ultimamente tenho-me deixado sugar pela dor. Tenho-me sentido cada dia mais pequena ao lado da imensidão da minha dor. Não estou a conseguir identificar de onde vem isto tudo. Sou uma mulher adulta e independente. Logicamente não tenho, nem sou, tudo o que quero, mas tenho e sou mais do que um dia achei que iria ter/ser. E saber isto leva-me a sentir culpa por estar triste. Porque sei que há pessoas em situações muito piores. Infelizmente lido com a dor e os problemas do ser humano diariamente no meu trabalho. E sei, sei que há vidas piores. Mas ainda assim, e já por várias vezes na minha vida, tenho estas fases negras, estes dias de imensa dor e tristeza. Cercada daquela sensação de estar debaixo de água, a lutar por vir à tona. Mas sei que venho. Sei que mais dia menos dia a cabeça emerge e voltarei a respirar. Voltarei a ser eu. Aquela pessoa alegre e cheia de energia. Por hoje vou continuar a respeitar esta dor. Vou deixar as lágrimas correrem, mesmo que não consiga entender o motivo delas surgirem. Amanhã haverá outro dia. Mas o problema é: haverá mesmo? Estamos tão convencidos que sim, damos a vida por tão certa que às vezes me pergunto se isso não será presunção nossa. Achar que a vida vai estar sempre ali à espera para ser vivida. São questões para as quais não tenho resposta. Provavelmente ninguém terá. Talvez seja a esperança, penso enquanto escrevo. Talvez a esperança de um amanhã melhor seja o que realmente nos mantém vivos, um dia após o outro.  

13 Ago, 2021

Culpa

V de Viver

Hoje venho falar-vos sobre culpa. Esse fardo pesado que nos acompanha ao longo de toda a vida. Quem nunca sentiu culpa? Quantas vezes por dia sentimos culpa? 

A culpa é tóxica e é inesgotável. Nunca deixamos de sentir culpa. No meu processo de cura e auto conhecimento sou convidada inúmeras vezes a olhar para dentro. A perceber o que sinto, de que forma o sinto e a deixar-me sentir. Sabendo que a culpa pode ser tanto consciente como inconsciente dou por mim a olhar para dentro e a procurar quando foi a primeira vez que senti culpa. Não é fácil voltar ao passado, ir fundo dentro de nós e procurar as nossas feridas causa muita dor. Mas é necessário. Hoje recolhi-me e procurei na minha criança interior quando terei sentido culpa pela primeira vez. E dou por mim a, mais uma vez, chegar ao mesmo sítio. À mesma pessoa. É como andar aos círculos, sabem? O meu pai. Mais uma vez o meu pai. Percebo agora que sempre me senti culpada por ele ter abandonado a minha mãe. Afinal de contas ele abandonou-a quando soube que ela me carregava dentro dela. Falar nisto leva-me a reagir. Reagir no sentido de querer gritar ao mundo (aos homens sobretudo, mas também a algumas mulheres) que nunca deviam abandonar os vossos filhos. Se soubessem o que isso causa numa criança e, posteriormente, na adulta em quem essa criança se torna, gosto de pensar que não o fariam. Mas enfim, não me é possível mudar o que já aconteceu. O que eu posso é perdoar. Pouco depois de criar o blogue escrevi sobre isso. Na altura achei, de verdade, que tinha perdoado o meu pai. Senti que o tinha perdoado. Mas precisava de ir muito mais fundo dentro de mim, conhecer-me melhor e ter a consciência que tenho agora de que o processo é muito longo e muito mais duro do que pensei. Sempre que olho para dentro, sempre que tento entender os meus sentimentos, as minhas emoções, a causa de determinadas atitudes que tive ao longo da vida, é a ele que chego. É à dor da rejeição que me acompanha desde pequena. 

A culpa corrói-nos. E sentir culpa por tudo o que de mau aconteceu na vida da minha mãe é muito duro. Sentimos ainda mais dor quando achamos que o erro foi nosso, que a culpa é nossa e que a culpa de sentirmos culpa é nossa também. 

Não sinto culpa apenas pelo que o meu pai fez. Esse é apenas o primeiro episódio que consigo ligar à sensação de culpa. Ao longo da vida a culpa acompanhou-me, como acredito que terá acompanhado cada um de vós. Afinal de contas todos somos humanos, todos erramos, todos sentimos dor. E é isso mesmo que devemos ter em mente quando sentimos culpa. Ter a certeza de que não somos especiais por isso, de que não somos apenas nós que nos sentimos assim. 

Se sentimos culpa é porque achamos que errámos, mas se errámos, com certeza evoluímos, aprendemos, e se cometemos erros é porque estávamos a tentar algo diferente, algo novo. Mesmo quem não tenta algo novo, quem não tenta ser mais, acaba por errar, porque só o facto de não tentar é por si só um erro. 

A vida é feita de erros e acertos. Às vezes acertamos, às vezes aprendemos. É preciso perdoar. Apenas perdoando os nossos erros conseguimos amenizar a culpa por tê-los cometido. Mas é preciso termos consciência de que nunca deixaremos de sentir culpa. A culpa irá sempre acompanhar-nos. Apenas temos que aprender a lidar com ela, aceitá-la, acolhê-la. É preciso olhar de frente para as nossas feridas. Dói, caramba se dói! Mas é necessário para o nosso crescimento.

Por isso vos digo: não tenham medo de sentir culpa. Não se sintam culpados por sentir culpa. E tenham sempre presente que a culpa nunca vai deixar de existir. Vez ou outra ela chega. Aprendam a aceitá-la como também eu estou a aprender. A vida é um constante processo de aprendizagem. E só aprendemos através do erro, mesmo que esses erros nos levem a sentir culpa. Somos seres falhos, mas somos também seres com uma enorme capacidade de aprendizagem e evolução. Que nunca percamos a esperença e a coragem para evoluir e nos tornarmos, cada vez mais, a pessoa que queremos ser. 

12 Ago, 2021

Renascer

V de Viver

É aqui, sentada na minha cadeira na varanda da minha casa e a olhar para o mar, que (vos) escrevo. O mar está mais longe agora e a cadeira já não é a de plástico, mas não deixa de ser tudo aquilo que sonhei. Realizar um sonho leva-nos sempre a uma felicidade extrema. A felicidade é passageira, o momento de êxtase acaba sempre por passar. Contudo a gratidão é eterna. E é aí que vibro. Gratidão pura por tudo aquilo que já vivi e pelo que alcancei. Sei hoje, melhor do que nunca, que tudo aquilo por que passei era necessário. Que todos os caminhos que me pareceram em tempos errados, não o eram. Tudo é aprendizagem. Todas as dores são necessárias. A dor faz parte do processo. Todos os dias sombrios, todas as lágrimas, todos os gritos silenciosos. Tudo é caminho e o caminho faz-se, realmente, a caminhar. 

Estive muito ausente por aqui. Na verdade não tenho escrito tanto quanto gostaria, mas são fases. E devemos sempre respeitar as nossas fases. Continuo no meu processo de autoconhecimento. Conheço-me hoje muito melhor do que no dia em que criei este blogue. E recordo esse dia como se fosse ontem. Foi a dor que me trouxe à blogosfera, e é ela que me continua a trazer aqui. Porque embora também tenha, ao longo destes (poucos) anos partilhado convosco momentos de felicidade, é verdade que é a dor e a escuridão que me fazem escrever desenfreadamente. Em dias assim é dificíl para os meus dedos acompanharem a minha mente. 

Não me interpretem mal. Continuo a ser uma pessoa grata, sei bem que existem pessoas com histórias muito mais duras que a minha e, por vezes, dou por mim a questionar-me o porquê de me sentir sempre em falta. Não é hoje a primeira vez que sinto esta sensação de que tenho tudo e ainda assim me falta tudo. Mas, exactamente, por não ser a primeira vez que me sinto assim, sei que passa. Tudo passa. Tudo sempre acaba por passar. O que hoje nos parece o fim do mundo amanhã já é apenas uma gota no oceano. O ser humano é assim, e nós mulheres, cíclicas, ainda sentimos mais esta "bipolaridade". 

Estou a viver um processo de cura. Aprendi, recentemente, que tenho dores que me acompanham desde sempre (como a dor da rejeição) que precisam ser curadas. E esse processo não se faz da noite para o dia. Todos temos as nossas questões internas, aquelas feridas que ninguém vê, e que gostamos de camuflar com sorrisos e com palavras vãs de que está tudo bem. Hora ou outra teremos que lidar com elas, acreditem. Dói. Dói muito ir para dentro de nós e perceber onde estão essas feridas. Dói ter que "descascá-las". É como se tivéssemos que mudar a nossa pele. Uma espécie de renascer. Um dia vi um vídeo que dizia: "Tudo o que é bom dói. Tudo o que dá resultado passa por dificuldades. Nascer doi. Dói para a mãe e doi para o bebé. Mas é muito bom. Tem gente que não quer dor. Não quero nada que me incomode. Só quero gostoso. Atritos são absolutamente necessários para o nosso crescimento.Não é só com alguém batendo no nosso ombro e dizendo: ah como você é bonitinha, como eu gosto de você. Não. É quando incomoda." É uma grande verdade. É preciso, sim, passar pela dor para nos conhecermos. É um processo longo e duro. Mas acreditem que vale muito a pena. 

Por aqui continuo o meu caminho. Não tenho todos os dias a mesma clareza, nem a mesma capacidade de lidar com as minhas dores. Mas vale a pena, de verdade, cada dor e cada lágrima, porque hoje sei melhor quem sou. E acredito verdadeiramente que amanhã saberei ainda melhor. 

Não posso deixar de agradecer-vos por continuarem por cá apesar da minha ausência. Grata de coração a todos vocês que, acreditem ou não, conhecem melhor as minhas dores e as minhas alegrias e conquistas do que a maioria das pessoas que conheço no "mundo real". 

Obrigada a todos.