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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Foi só aos 33

V de Viver, 05.12.23

Cresci a achar que era insuficiente. Que fazia tudo errado. Que era por isso que o meu pai não me queria. Porque eu era um erro. Que tinha estragado a vida da minha mãe. 

Cresci a ver erros em tudo o que eu era. O meu corpo era horrível e eu odiava-o. Não era suficientemente inteligente. As minhas amigas vestiam-se melhor. A minha família era disfuncional. Não tinha tinha dinheiro para estudar, logo nunca seria ninguém. 

Cresci e sujeitei-me a relações de merda. Corri atrás de homens que não me queriam. Chorei por eles. Envolvi-me com pessoas indisponíveis por variadíssimas razões. Metia os outros num pedestal, todos eram melhores e mais importantes que eu. 

Cresci a achar-me incapaz. Na minha cabeça eu não conseguia nada. Assustava-me fazer qualquer coisa diferente do que estava habituada. Achava-me pequena para fazer grandes coisas. 

Cresci a procurar validação. Queria que me dissessem que eu era suficiente. Que era boa. Agradava os outros, muitas vezes desagradando-me a mim, porque queria ser aceite. Queria ser gostada.

Cresci a achar que era uma porcaria. Que nunca iria ter uma relação saudável. Que não merecia a vida. Que o meu pai estava certo em não me querer. Que realmente eu tinha estragado a vida da minha mãe ao nascer. 

Cresci a comer demais. Comia as minhas emoções, engordava cada vez mais, comia mais e mais para me sentir melhor, porque já estava horrível, por isso tanto fazia. Odiava-me e odiava o meu corpo.

Cresci a investir energia nos outros. A sentir tanta rejeição em mim, por mim, que me doía até à alma.

Autodestruí-me tantas vezes. Menosprezei-me. Rejeitei-me. 

E só agora percebi.

Que eu sou suficiente. Que se eu não me amar ninguém me amará, mas que isso nem tem importância porque sou eu quem precisa de me amar. 

Que me devia ter sempre tratado como tratava os outros. Que fui sempre muito boa para todos, menos para mim. Que devia amar-me tanto como amava os outros.

Que o amor encontranos quando nos amamos.

Que o meu corpo nunca teve nada de errado. Que um corpo é só um corpo e que se o tratar com amor e respeito ele ficará bem por si só. 

Que me devia admirar a mim. Mais do que a todos os outros. 

Que preocupar-me comigo não é egoísmo. É necessário. 

Que o que eu quero deve estar em primeiro lugar. Que alcançar os meus objectivos é a melhor sensação da vida. Que me fortalece lutar pelo que quero e que, mesmo que seja dificil, nunca devo desistir de lutar pelos meus sonhos. 

Que eu sou a pessoa mais importante da minha vida. Que eu tenho que me admirar todos os dias da minha vida. Que tenho que me preocupar comigo desde que acordo até que me deito.

Que eu sou digna do meu tempo, da minha atenção. Que o melhor investimento que posso fazer é sempre em mim. 

Que ninguém é mais importante que eu. E sim, eu sei, se tu que estás a ler isto tiveres filhos estás a pensar que eles são. Eu não tenho filhos. Acredito que eles sejam, sim, a coisa mais importante da nossa vida. O que eu não acredito é que não tenha que me amar a mim primeiro. Porquê? Porque eu sei (isto eu sei bem demais) que se eu não me amar e cuidar a mim primeiro eu não consigo amar e cuidar aos outros de forma saudável. 

Hoje eu sei isto tudo. Nem sempre soube. Levei anos a construir esta forma de pensar e de viver. 

Foram anos de autodestruição. De falta de autoestima e de amor próprio. De achar que não merecia nada, que era insuficiente.

Só hoje. Apenas hoje posso dizer com toda a certeza que me amo. Que sou importante. Que a minha vida vale a pena. Que sou digna de amor. 

Por isso decidi escrever este texto. Porque talvez tu também te sintas como eu me senti. E, se for esse o caso, eu queria que soubesses que não estás sozinha. Não és só tu quem se sente assim no mundo. Nem sequer só tu e eu. Infelizmente há imensa gente a passar pelo mesmo. A noticia boa? É que todos nós temos o poder de mudar isso. 

Eu sou suficiente. Tu és suficiente.

Eu sou merecedora de amor. E tu também és. 

Temos em nós tudo aquilo que precisamos. E quando descobrimos isso a nossa vida muda completamente.

Acredita em ti. Ama-te. Procura sempre o teu desenvolvimento pessoal. E nunca, jamais, coloques os outros num pedestal. Ninguém é melhor do que tu. Ninguém merece mais o teu amor do que tu. 

Foi só aos 33 que eu descobri isto. 

Nunca é tarde.

3º aniversário do blogue

V de Viver, 16.10.22

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Ontem o blogue completou mais um aniversário! Não me foi possível vir aqui deixar umas palavras, mas cá estou hoje para relembrar e "festejar" de alguma forma esta data. 

Juro-vos que me lembro do dia em que criei o blogue como se fosse hoje. Foi uma fase tão dura. Doía-me até aos ossos. Doía-me a vida. A falta dela. A forma como ela se me apresentava. 

Tanta coisa mudou desde esse dia. 

Este blogue foi sempre um refúgio. A escrita em si foi sempre onde procurava respostas. 

Escrevia ( e continuo a escrever) mais para mim do que qualquer outra coisa. Mas tive o enorme prazer de vos ter por cá a ler-me, a responder-me, a dar-me força. Como se nos conhecêssemos. Como se fossemos amigos. Talvez sejamos. Talvez todos vocês que de uma forma ou de outra tocaram a minha alma e a minha vida estivessem destinados a isso. 

Nada é por acaso. Ninguém é por acaso. Nisso eu acredito com toda a força do meu ser.

Muito obrigada a todos por estarem por aqui. Por me tocarem profundamente com o que escrevem. 

Que, embora com as ausências necessárias a cada um, continuemos a ler-nos durante muitos anos. 

Mais um dia ou menos um dia?

V de Viver, 13.10.22

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Sentada numa falésia junto ao mar vim finalizar o meu dia. Um daqueles que não foi nem bom nem mau. Acho que estes dias existem para nos mostrar que nem sempre é preto no branco. Nem sempre é sim ou não. Tristeza ou felicidade. Existem meios termos. Até para alguém que, como eu, não está habituada a eles.

Nem todos os dias são bons, mas todos têm algo de bom, disso não duvido. Pode ser a minha mania de ver sempre o copo meio cheio. Mas é assim que vejo as coisas. Há sempre algo pelo que agradecer. Mais que não seja por ter olhos e ouvidos capazes de ver e ouvir aquilo que estou aqui a presenciar. Não é positivismo fingido. Eu sinto mesmo aquilo que digo.

Felizmente sou uma apaixonada pelas coisas simples da vida. Aquelas que não se pagam e que por nos serem tão comuns não damos o verdadeiro valor. Porque achamos que elas são nossas por direito. Talvez sejam. Talvez o sol, a lua, o mar, o vento, o cantar dos passarinhos sejam um bocadinho de cada um de nós. Pelo menos daqueles que os sabem apreciar. Talvez.

Talvez a vida, no fundo, seja só isto que estou a sentir agora. Está sensação de paz e tranquilidade que o mar e o pôr do sol sempre me proporcionam. A cabeça vazia de outros pensamentos. Nem passado, nem futuro. Apenas o agora, eu, o mar, e a despedida do sol.

Mais um dia ou menos um dia? Talvez seja apenas uma questão de perspectiva.

Uma noite em Setembro

V de Viver, 08.10.22

Sentada na varanda da minha casa sinto as lágrimas a escorrer pelo rosto enquanto bebo um copo de vinho. Há um ano tinha o hábito de fazer exactamente isto. Sentar-me, sozinha com um copo de vinho e os meus pensamentos. E, claro, uma música.

Faz-me pensar que pouca coisa mudou. Mas o principal mudou bastante:eu.

Sinto-me grata por estar onde estou. Grata por ser a pessoa que tanto lutei para ser. E por ter a consciência que cada vez sou mais quem quero ser.

Mas sei, no fundo, que ainda há coisas que precisam de mudar. Ainda há ciclos que se repetem na minha vida, dores que voltam pelas mãos de outras pessoas. Muda a pessoa, mas a dor é sempre a mesma. E acredito que se os ciclos se repetem é porque ainda tenho alguma coisa a aprender. Claro que temos sempre algo a aprender. Mas refiro-me a ter algo a aprender relativamente ao mesmo.

Sinto que ando em círculos. Embora muita coisa mude há sempre algo que se repete. Mas não me queixo. Sei hoje, como toda a certeza, que não há erros. Há aprendizagens. Tudo vem por um motivo. E só podemos mudar o que vem quando descobrimos esse motivo. Nada nem ninguém chega até nós por acaso. Cada dia que vivo tenho mais a certeza disto.

É verdade que eu sempre fui alguém que pensa demais e sente demais. E é verdade que isso me trouxe muitos dissabores. Mas sinto-me feliz por viver a vida de acordo com os meus valores, de viver em verdade, honestidade e humildade. Não sei onde a vida me leva. Mas vou em paz seja onde for que vá. Porque dei sempre o meu melhor em tudo. Nunca fui desleal para comigo nem para com os outros. E uma das maiores bençãos que tenho na vida é deitar a cabeça no travesseiro, todas as noites, e poder dormir tranquila. Cada um dá o que tem e a conta chega para todos. E se há algo que sei é que eu não tenho motivo para me preocupar com isso.

E acreditem, sinto-me grata por isso. Grata por ser quem sou e com a certeza de que ainda serei alguém melhor. Melhor de acordo com os meus valores. Melhor para mim. Melhor para os outros, mas sempre, sempre de acordo com os meus valores.

 

PS: texto escrito em Setembro. Tenho andado bastante ausente do blogue mas nunca perdi o hábito de escrever. Espero, de coração, que todos os que me lêem sempre que (muito raramente durante este ano) publico alguma coisa, estejam bem. Estou em falta convosco porque não vos tenho lido. Mas vou tentar durante os próximos dias actualizar-me por este mundo dos blogues.

Grata a todos por continuarem por aqui 

Mais uma noite...

V de Viver, 07.07.22
Sentada na varanda da minha casa sinto as lágrimas a escorrer pelo rosto enquanto bebo um copo de vinho. Mas não são lágrimas de tristeza. 

 

Há um ano tinha o hábito de fazer exactamente isto. Sentar-me, sozinha com um copo de vinho e os meus pensamentos. E, claro, uma música.

 

Faz-me pensar que pouca coisa mudou. Mas o principal mudou bastante: eu.

 

Sinto-me grata por estar onde estou. Grata por ser a pessoa que tanto lutei para ser. E por ter a consciência que cada vez sou mais quem quero ser.

Mas sei, no fundo, que ainda há coisas que precisam de mudar. Ainda há ciclos que se repetem na minha vida, dores que voltam pelas mãos de outras pessoas. Muda a pessoa, mas a dor é sempre a mesma. E acredito que se os ciclos se repetem é porque ainda tenho alguma coisa a aprender.

Claro que temos sempre algo a aprender. Mas refiro-me a ter algo a aprender relativamente ao mesmo.

Sinto que ando em círculos. Embora muita coisa mude há sempre algo que se repete.

 

Mas não me queixo.

 

Sei hoje, como toda a certeza, que não há erros. Há aprendizagens. Tudo vem por um motivo. E só podemos mudar o que vem quando descobrimos esse motivo.

Nada nem ninguém chega até nós por acaso. Cada dia que vivo tenho mais a certeza disto.

 

É verdade que eu sempre fui alguém que pensa demais e sente demais. E é verdade que isso me trouxe muitos dissabores. Mas sinto-me feliz por viver a vida de acordo com os meus valores, de viver em verdade, honestidade e humildade.

 

Não sei onde a vida me leva. Mas vou em paz seja onde for que vá. Porque dei sempre o meu melhor em tudo. Nunca fui desleal para comigo nem para com os outros. E uma das maiores bênçãos que tenho na vida é deitar a cabeça no travesseiro, todas as noites, e poder dormir tranquila. Cada um dá o que tem e a conta chega para todos. E se há algo que sei é que eu não tenho motivo para me preocupar com isso.

E acreditem, sinto-me grata por isso. Grata por ser quem sou e com a certeza de que ainda serei alguém melhor. Melhor de acordo com os meus valores. Melhor para mim. Melhor para os outros, mas sempre, sempre de acordo com os meus valores.

Uma mensagem a quem me lê

V de Viver, 22.05.22

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O dia lá fora está cinzento. Não sei quanto a vocês, mas a mim estes dias convidam-me a ficar no sofá. Ler um livro. Ver um filme. E reflectir. Dias cinzentos dão-me sempre vontade de pensar sobre a vida. Sobre tudo o que já vivi, o que estou a viver e o que ainda está para chegar.

Tenho andado [novamente] ausente do blogue. Não sei se posso usar a desculpa da vida corrida. Até porque sou a primeira pessoa a defender que, bem organizado, o tempo dá para tudo. Tenho continuado a escrever bastante. Mas cada vez mais aquilo que escrevo é tão pessoal que nem sempre é possível partilhar por aqui. 

Tenho feito mais por mim todos os dias. Tenho-me amado mais, mimado mais, apreciado mais. Estou feliz. Espero muito que vocês que me visitam também estejam bem e felizes. 

A vida segue, os dias entrelaçam-se entre si numa enorme mistura de altos e baixos, de dias bons com dias menos bons. Acredito que assim seja para todos. 

Estou sinceramente em paz. Batalhei muito para me tornar na pessoa que sou hoje e digo-vos, de peito cheio, que me orgulho bastante de quem sou hoje em dia. Gostava que todas as pessoas no mundo percebessem que quando nos amamos, quando cuidamos de nós, quando nos priorizamos, a vida começa a fluir de outra forma. 

No dia em que deixei de me sentir uma vitima e percebi que a responsabilidade pela minha vida, pela minha felicidade e pelo meu futuro só dependiam de mim a minha vida mudou completamente. É verdade sim que o amor próprio é o mais importante de todos. Quando nos amamos o amor chega-nos. Quando nos fazemos felizes a felicidade encontra-nos. Quando fazemos o bem o bem vem ter connosco. Acreditem. 

Hoje faço algo por mim todos os dias. Seja o que for. E foi a melhor mudança que fiz até hoje na minha vida. Priorizar-me foi a chave para chegar ao nível de paz e amor próprio em que me encontro.

Afinal sempre há frases clichés que são pura verdade:

"Quando estamos bem por dentro isso nota-se por fora."

É uma verdade universal. 

Para hoje, nesta passagem pelo blogue, sendo honesta quando vos digo que não sei quando cá voltarei (pode ser amanhã, pode ser daqui a uma semana, ou até daqui a um mês) quero deixar-vos um grande agradecimento.

Após esta ausência percebi que tive direito a dois destaques. Um pela minha querida Ana de Deus que se mantém sempre presente no meu blogue e a quem sou imensamente grata por todo o carinho. E outro pela equipa do sapo a quem sou também muito grata por ao longo dos meus (ainda poucos) anos de blogue ir, vez ou outra, destacando aquilo que escrevo. Muito grata e feliz por saber que aquilo que escrevo chega aos vossos corações.

E agradecer de igual forma a todos vocês que vão passando por cá por nunca deixarem de o fazer, mesmo com as minhas longas ausências. 

Se vos puder deixar uma mensagem hoje que seja esta: amem-se muito, priorizem-se sempre. Quando estamos bem tudo à nossa volta fica bem. 

Gostava que me tivessem dito...

V de Viver, 06.04.22

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Foi ainda agora enquanto bebia café na varanda da minha casa. 

Aquela sensação de que tudo está no sitio. De que não me falta nada. É rara esta sensação em mim, quase sempre sinto que me falta algo.

Mas quanto mais me conheço, quanto mais olho para dentro de mim, mais consciente fico de que não me falta nada. Tenho em mim tudo o que preciso para ser feliz. Hoje sei que ninguém, além de mim, me pode fazer feliz. Mas sei também que a vida é cíclica e que nós mulheres somos mais ainda. Todos os meses, todos os dias da nossa vida, lidamos com mil e uma emoções. As alterações de humor são constantes mas acredito que se quisermos podemos aprender a lidar com elas. O primeiro passo e o mais importante é aceitar. Aceitar o que estamos a sentir. Depois perceber de onde isso vem.

A nossa mente, consciente e inconsciente, é um mundo inteiro. Nem sempre é fácil lidar com tudo aquilo que somos mas isso é bom. É sinal que somos muito. Hoje não duvido disso. A partir de hoje (desde há uns tempos, felizmente!) não permito que me digam que sou menos, que sou pouco. Não sou.

Não é a minha aparência, é a minha essência que faz de mim quem eu sou.

Porque eu não sou o meu corpo. Quem me dera ter aprendido isto antes. Sinto que deixei de viver muita coisa boa por causa da minha aparência. Por vergonha do meu corpo, de mim. Por achar que nenhuma roupa me ficava bem. Por ter acreditado quando me diziam (e dizem) que sou gorda. Gorda comparada com o quê ou com quem? - pergunto hoje em dia quando me dizem que estou gorda. Estou, não sou. Percebem a diferença?

Gostava que esta mensagem chegasse a muitas jovens, adolescentes, crianças, mulheres e homens por todo o mundo. Porque eu gostava que me tivessem dito isto muitas vezes: Tu não és o teu corpo!

Tive que aprender sozinha, aprender pela dor. A vida era tão mais bonita se aprendessemos pelo amor ao invés de aprendermos pela dor. Mas tudo é um constante processo. A vida é um processo. Nós e o nosso crescimento somos um processo. E viver o processo é tão bom. Acreditar no processo. Acreditar que nunca nada é para sempre. Que o que hoje nos parece um enorme problema amanhã, ou até daqui a pouco, já não é nada.

Tudo passa. Duas palavras e um significado gigantesco. Tudo passa.

Tenham sempre a certeza disso. 

Fotografia:@jacksondavid

Gratidão à chuva

V de Viver, 05.04.22

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Aconteceu hoje quando saí do ginásio. Quando fui para lá o dia estava escuro, mas não chovia. Quando saí estava a chover e eu fui a pé, sem guarda chuva. E foi ao vir para casa à chuva que senti. Uma enorme gratidão. Gratidão pela chuva que me caía no rosto. Gratidão por estar viva. Por ter uma casa para onde voltar. Nesse momento passou por mim de mota um senhor que trabalha na entrega de comida. E mais uma vez apoderou-se de mim uma enorme gratidão por não ter que trabalhar debaixo de chuva (na maioria das vezes pelo menos!). 

Continuei o meu caminho em direcção à minha casa e senti-me feliz. Feliz por ter crescido, por ter amadurecido, por conseguir perceber, hoje, que todas as situações e pessoas que passaram na minha vida tinham um propósito. Tudo aconteceu por um motivo e cada vez tenho mais a certeza disso.

Segui o meu caminho sentido-me grata pelos tombos que dei na vida, de verdade. Porque todos me ensinaram algo, porque foram eles que me transformaram na pessoa que sou hoje. E, acreditem, eu orgulho-me muito de quem sou. Orgulho-me muito do meu crescimento e das minhas conquistas. 

Já encharcada pela chuva entro no prédio e, no elevador, ao dar com os olhos no meu reflexo agradeço-me por não ter desistido. Por fazer todos os dias o que tem que ser feito para chegar onde quero. Para ser quem quero ser. Agradeço-me por continuar a lutar todos os dias. Por ter chorado mas ter persistido sempre. Olhei para o espelho do elevador uma última vez antes de sair no meu andar. E vi. Vi a mulher que quero ser. A mulher que me orgulho de ser. E senti-me grata mais uma vez. Grata pela minha história desde o dia em que nasci. Hoje sei que tudo aconteceu como tinha que acontecer. 

Se tivesse que escolher uma palavra para o dia de hoje seria gratidão. Usada em demasia ultimamente, talvez. Mas hoje é a que faz mais sentido.

PS: também poderia ser amor-próprio!

Da cor da humanidade

V de Viver, 11.03.22

Sentada vejo as gotas da chuva a cair na varanda. O dia está cinzento, como o mundo e a humanidade. Penso nas pessoas que estão a sofrer, a fugir das suas casas, a deixar tudo para trás. A dor que só quem passa por uma situação assim saberá explicar. Provavelmente não terá explicação. 

Situações como a guerra fazem-nos pensar na vida. Ou pelo menos a mim. Temos tendência a focar no que nos falta, no que não está bem, no que podia ser melhor. E depois, um dia, o mundo acorda com a noticia de que a Ucrânia está a ser bombardeada. São imensas as sensações que se vivem ao ouvir/ler essas palavras. Guerra? Parece mentira. Estamos em 2022 e acho que ninguém espera uma guerra. Mais uma. Coloca os nossos problemas em perspectiva. 

Dá uma sensação de que a humanidade está perdida. De que a sede de poder se sobrepõe a tudo o resto. Um homem louco muda a vida de um país. Um homem que já tem tudo mas a quem, com certeza, falta o melhor: o amor. Porque ninguém que tenha amor poderá querer começar uma guerra. Não digo isto com pena dele. Lamento mas a minha empatia não consegue ser assim tão abrangente. Apenas constato que só a falta de amor poderá levar alguém a querer destruir a humanidade. A prova viva de que ter tudo não chega está ali, a dar ordens na Rússia. 

Oxalá a chuva lavasse o pior da humanidade. Quem dera no fim do dilúvio todo o mal do mundo tivesse sido purgado. 

Ancorar

V de Viver, 02.02.22

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Há dias em que as certezas se esvaem. 

Em que nos fogem das mãos como água a correr num rio bravo.

Dias em que duvidas de tudo o que já fizeste, dias em que questionas todos os caminhos que já percorreste. Em que, por muito que te esforces e que digas a ti mesma que está tudo bem, sabes que não está. Dias em que sentes a falta de momentos e pessoas do passado. Em que pões em causa todas as tuas escolhas. 

Nestes dias, em que as palavras me surgem à mente mais rápido do que as consigo escrever no papel, sei que devo respeitar-me mais do que nunca. 

O tempo ensinou-me que os dias mais difíceis são aqueles em que mais se pode aprender e crescer. Que é nestes dias cinzentos, ou nos momentos cinzentos de um dia de sol, que muitas vezes encontramos as respostas que procuramos. É no silêncio, é dentro de nós, no nosso refúgio, que estão todas elas. Todas as respostas, a todas as perguntas que já nos fizemos e que ainda faremos a nós próprios estão dentro de nós. Se nós soubermos ouvir, escutar com atenção, tudo o que precisamos saber irá surgir. Saber lidar com os dias menos bons, com os momentos de escuridão que surgem na nossa vida, não é tanto uma questão de coragem ou de inteligência. É, na minha opinião, uma questão de sobrevivência. Porque só nós nos podemos salvar, só nós podemos conquistar os nossos sonhos, só nós podemos curar as nossas dores. Está nas nossas mãos. O caminho que queremos seguir no futuro depende de nós, da nossa escolha. 

É preciso resiliência para lidar com estes dias cinzentos, com estes momentos em que falta a luz. Repara. Silencia-te e repara. Mesmo nestes momentos em que tudo à tua volta está escuro, se escutares com atenção, se olhares para dentro de ti com devoção, perceberás que há uma chama que nunca se apaga. Há uma luz que, tremeluzindo lentamente, continua acesa no teu coração. Essa chama que brilha levemente e em silêncio chama-se esperança. Esperança num amanhã melhor, num amanhã com mais luz e menos escuridão. 

Pensa: quando olhas para o céu durante a noite, é ou não é mais fácil ver o brilho das estrelas se tudo à tua volta estiver envolto numa enorme escuridão? Sim, uma certa escuridão é necessária para ver as estrelas. Do mesmo modo, é preciso haver dias cinzentos, escuros e frios, para que descubras a luz que brilha em ti. A tua luz. Tu. És tu que brilhas. Tu, na mais pura essência do teu ser tens em ti um brilho que nunca se apaga. Nem mesmo nos dias mais escuros. E é nesses dias que mais precisas dela. Agarra-te a ela como quem se agarra à vida. Porque será exactamente isso que estarás a fazer: ancorar-te à vida. 

 

Fotagrafia: @henrybe