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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Ainda venho a tempo de desejar um feliz 2025?!

V de Viver, 17.02.25

Feliz Ano Novo a todo(as) que me lêem e que continuam por cá!

Já sou oficialmente mãe! A minha filha veio ao Mundo na data prevista do parto, no mês de aniversário da mãe e nasceu saudável e estamos perdidamente apaixonados e... cansados! Sim, o pós-parto não é tão cor de rosa como se vê partilhado nas redes sociais da vida, contudo isto será tema para outro dia. 

Hoje venho apenas "dar o ar da minha graça", dizer-vos que planeie textos para publicar no Natal e no final do ano, mas com um recém nascido em casa a verdade é que não tive oportunidade de o fazer. 

No dia do nascimento da minha filha nasceu não apenas uma filha mas também uma mãe. Nestes meses percebi a mudança que ocorreu em mim após o nascimento da minha bebé, não sou mais a mesma e tem sido um processo de transformação e aceitação rodeado de amor mas também de muita dor e cansaço. Prometo escrever sobre tudo isto e vir aqui partilhar convosco.

Espero de coração que todos os que por aqui passam estejam bem. Não pretendo desistir do blogue, contudo neste momento não tenho energia nem tempo para me dedicar a 100%. Não é novidade por aqui que eu fui aparecendo e desaparecendo ao longo dos últimos anos e, provavelmente, será assim mais uma vez durante este ano. 

Um grande obrigada a todo(as) que continuam a passar por aqui e a deixar-me comentários. 

Feliz Natal

V de Viver, 24.12.20

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A todos os seguidores e amigos desejo um Santo e Feliz Natal.

Que todos possam, dentro dos possíveis, estar com aqueles que mais amam. Porque Natal é tempo de amor, carinho, e sobretudo de família, que é basicamente a mesma coisa! 

Neste ano difícil troquem os presentes por presença. 

Uma noite de consoada abençoada e um dia de Natal encantador é o que desejo a todos vós e aos vossos familiares.

 

A primeira estrela do céu

V de Viver, 05.02.20

O fim de tarde aproximasse. Crepúsculo. O azul claro do céu diurno a misturar-se, lentamente, com o azul escuro da noite. O sol desaparece. E logo ali, naquele instante, sem que saiba dizer o momento exacto, ela aparece. 

A primeira estrela do céu.

Quando era pequena lembro-me de pensar que aquela estrela era o irmão da minha mãe que tinha falecido seis dias antes de eu nascer. Não foi uma ideia que me surgiu. Foi a minha mãe que me disse, numa das muitas vezes que a vi chorar ao final da tarde: "Vês aquela estrelinha filha? A mais brilhante, a primeira a aparecer no céu todas as noites, é o tio. Estejamos onde estivermos, ao anoitecer ele vem sempre ter connosco, e está sempre lá a olhar por nós, mesmo quando não a conseguimos ver".

Acreditei.

Ainda hoje acredito. Talvez por isso, no dia que o meu avô faleceu, achei a estrela mais brilhante. Loucura? Talvez. Mas acredito que temos que ter sempre onde nos agarrar. Eu agarrei-me àquela estrela e à promessa que ela me fazia ao brilhar mais forte. Só podia significar que o meu avô estava junto ao meu tio, que agora ambos olhavam por nós. 

Todos os dias, ao deixar-me levar pelo prazer de contemplar o anoitecer, quando a primeira estrela aparece, tenho a certeza que eles estão ali. 

E, loucura ou não, há uns meses atrás, quando a minha avó partiu, fiz questão de sair do estado infausto em que me encontrava, e olhar o céu. Logo na primeira noite em que ela não estava mais aqui. E sim, a estrela brilhava ainda mais nessa noite. Ilusão? Talvez.

Mas nada me fará pensar de outra forma. Ela brilha mais. E brilha sempre. Nunca se apaga. É sempre a primeira a aparecer no céu. Sempre a primeira a chegar. Esteja eu onde estiver, ocupada ou não, a presença dela chama-me sempre. Tem a força de mil imáns. Quase a ouço sussurrar o meu nome. Por vezes só lhe lanço um olhar fugidiu. Outras vezes, com tempo, deixo-me ficar a olhar para ela até as lágrimas me cegarem. 

A primeira estrela do céu é minha. Sempre foi minha, sempre será minha. Cada um agarra-se ao que pode. Cada um usa como boia de salvação aquilo que consegue encontrar. Eu encontrei aquela estrela. É a ela que me agarro. Para mim, a primeira estrela do céu será sempre a demonstração de que os meus três anjos estão lá em cima, a olhar por mim. 

Alentejo da minh'alma

V de Viver, 27.01.20

Estive um pouco ausente nos últimos dias, mas foi por um bom motivo.

Fui passar o fim de semana ao meu Alentejo. E só quem é do Alentejo é que sabe como é bom lá voltar. Na verdade, é sempre bom voltar a casa. Acredito que para todos, não apenas para mim ou para quem é do Alentejo. 

Já há uns meses que não ia lá e as saudades já eram imensas. Saudades da minha mãe, da minha irmã. Saudades da minha terra, das minhas origens. Quando era adolescente não gostava de morar no Alentejo. Vivi numa aldeia e sentia-me sufocada. As mesmas caras, as mesmas vozes, as mesmas conversas, dia após dia. Não deixa de ser engraçado o facto de ser disso que mais sinto falta. De sair à rua e cumprimentar toda a gente. De chamar as pessoas de vizinha ou vizinho em vez de as chamar pelo nome. De nos sentarmos na rua naquelas noites quentes de verão. O barulho dos grilos, dos sapos e dos carros a passar lá longe. As estrelas como cenário e por vezes a lua.

Mas se há algo que me deixa o coração doído de saudades são os meus avós. O Alentejo jamais terá o mesmo sabor após a morte deles. Já sabia disto há muitos anos. Disse-o, mais que uma vez, à minha mãe: "o dia que os avós morrerem voltar à aldeia não vai ter o mesmo sabor". Não me enganei. Não é a mesma coisa. Não é sequer possível passar à porta da casa deles sem chorar. Lágrimas de saudades. Lágrimas de quem só queria que eles fossem eternos. Mas não foram. A vida tem que continuar. E foi tão bom, mas tão bom, voltar ao colinho da mamã. Morria de saudades de estar na casa da minha mãe, da comida da minha mãe, dos serões à mesa redonda. 

É muito bom ter onde voltar. Sabe tão bem voltar aos braços da minha mãe. Sou imensamente grata por ter a mãe que tenho. Sei quem nem vale a pena escrever aqui que o que mais queria era que ela fosse eterna. Todos queremos, acredito, que as nossas mães sejam eternas. Mas se me fosse concedido um pedido, apenas um, pediria sem dúvida que a minha mãe fosse eterna.

Mas como o que é bom acaba depressa, cá estou eu de volta à minha rotina.

A vida segue. Espero que siga devagar.

Viver é tão bom. 

 

Amo-te avó

Desculpa, avó

V de Viver, 14.01.20

Avó

Você partiu há mais de três meses. Mas só hoje me permiti chorar todas as lágrimas que tinha guardado dentro do peito. O seu corpo partiu em Outubro. Mas você já não estava lá por inteiro há muito tempo.

Cuidou de mim como se fosse sua filha. Ou quem sabe como uma extensão do filho que perdeu seis dias antes de eu nascer. Vim dar-lhe força para continuar, mas só longos anos mais tarde tive essa percepção. Talvez fosse por isso que tinhamos uma ligação diferente. Talvez por isso muitas das minhas primas tivessem ciúmes por pensarem que você me amava mais a mim. Mas não acho que me amasse mais. Acho que me amava de uma forma diferente. Cresci consigo, e com o avô. Eram o meu amor diário, além do amor da mãe e das tias, claro. Mas foram vocês o meu pilar. O de todos nós, acredito.

Mas você avózinha. Você que me ralhava mas que me dava amor. Você que me deixava cozinhar com os tachos e panelas de plástico enquanto preparava o nosso almoço ou jantar. Você que não sabia ler nem escrever e que deixou, com uma paciência infinita, que eu tentasse ensinar-lhe, quando com a inocência da idade me achava professora. Você que me dava dinheiro às escondidas, me metia uma nota na mão e me lançava aquele olhar que me silenciava sem necessidade de palavras. Você, avó, que me dava beijinhos na cabeça. Que tantas vezes me limpou os joelhos esfolados de cair no quintal. Que tantas vezes me aconchegou na cama antes de ir deitar-se. Que cedo me começou a chamar "a minha mulherzinha velhinha". Que tantas vezes me preparou uma refeição diferente, só porque eu não queria o que vocês estavam a comer. Que me ensinou a gostar de cozinhar. Que prometeu ensinar-me a coser à máquina, não chegámos a ter oportunidade avó. Você, que eu vi durante dezassete anos, todos os dias sem execpção. Você com quem falei, nem que por chamada telefónica, diariamente até aos vinte e cinco anos. Como é que agora vou viver sem você, avó?  Com a certeza que não lhe ouço mais a voz, como?

Você que sofreu como ninguém. Que cresceu a passar fome, que com esforço, muito esforço criou seis filhos, ainda que Deus, nunca saberemos porquê, lhe tenha levado o seu tesouro, o seu único rapaz. Tanto sofrimento lhe vi nos olhos avó. Tantas lágrimas a vi chorar. Tanto a ouvi falar do tio que cresci a pensar que o tinha conhecido.

Se você soubesse avó, o vazio que me ficou no peito quando você partiu. Não apenas quando a vi pela última vez. Mas também quando deixei de a sentir ainda em vida. Se você soubesse avó, as lágrimas que chorei na primeira vez que avó não me reconheceu. Porquê avó? Porque é que você tinha que ter aquela doença? Que a fez ir embora ainda em vida, deixando só o seu corpo. Causando dor a quem a ama. A quem lhe chama avó, mãe, e a vê perdida em pensamentos, em acontecimentos de uma vida há muito passada. Maldita doença avó. Maldita doença que a levou de nós e nos deixou o seu corpo para que o vissemos a definhar. Para que sofressemos com o seu sofrimento. Maldita doença que nos obrigou a vê-la morrer duas vezes. Que nos obrigou a perde-la duas vezes.

Avó. Guardei estas lágrimas por uns meses porque não me sentia preparada para pensar em si. Peço-lhe desculpa por isso. Por não ter tido a coragem necessária para remexer nas nossas memórias. Mas a dor era maior que eu. Ainda é. Acho que até hoje não queria pensar que você já não estava lá. Que já não a podia ver mais. Fui cobarde por isso, porque preferi enganar o cerébro, deixando-o acreditar que você ainda estava lá, naquela cama onde tantas vezes a fui visitar.  

Mas obrigada avó. Nunca poderia pôr em palavras o quanto lhe sou grata. Você tinha o seu feitio, mas esse fica só para nós, porque sabe Deus que eu sempre disse que se devia ao facto de ter que viver com a maldição de ter perdido o seu filho.

Não consigo escrever tudo avó, não consigo escrever mais, porque os olhos estão tão inchados de chorar que mal consigo ver o que estou a fazer. Podia levar o resto do dia a escrever avó, e mesmo assim nunca conseguiria descrever o quanto eu a amei, o quanto eu a amo. A si, e ao avô. São as minhas estrelinhas no céu, que se juntaram à outra estrelinha que lá brilhava desde que eu nasci e ele se foi.

As vitórias deixaram de ter o mesmo gosto desde que vocês partiram, porque vocês já não estão cá para me aplaudir.

Fica um buraco no meu peito onde antes estavam vocês, e fica ainda, além do desgosto de não vos ter cá, outro desgosto que me acompanhará, também, para sempre: o de vocês não chegarem a conhecer os meus filhos quando os tiver. 

 

A saudade será eterna avó, mas o amor também.

Natal Brilhante

Mas pouco...

V de Viver, 24.12.19

Já escrevi aqui no blog que este ano não festejo o Natal. A partida da minha avó, que foi como uma mãe, deixou marcas fortes. Arranhões, nódoas negras, buracos no peito, não sei dizer. Sei que este ano não faz sentido festejar o Natal.

Mas, logicamente, não é por isso que não sei que hoje, se tudo fosse como antes, estaríamos todos juntos daqui a algumas horas. Casa cheia, barulho, cheiro a comida e a lenha queimada na lareira. Mesa comprida, bacalhau, chouriça assada, doces e vinho. Abraços, beijos, carinho...amor. Este Natal vou estar a 200km da minha família. Mas estou, também, à distância de uma videochamada. Mas os quilométros deixam de ter importância quando penso que estou a uma vida de distância do meu avô e da minha avó. Não se pode fazer videochamadas para o céu! 

Sou a primeira pessoa a dizer que não se pode viver no passado. Que o que foi bom deve ficar guardado no nosso coração mas não deve pairar pela nossa mente a toda hora. Mas nestes dias a falta dos que partiram evidencia-se ainda mais. 

A falta dos que partiram e a falta dos dias de infância/adolescência em que o Natal tinha tanto sentido. Em que ansiávamos pelas prendas, que pedíamos quase com um ano de antecedência. Pela chegada dos primos, tios, tias, avós. As brincadeiras até altas horas. Recordo-me que a noite da consoada era, provavelmente, a noite em que nos era permitido ficar acordados até mais tarde.

Mas a vida é assim mesmo. Crescemos. Alguns partiram. Outros têm agora as suas próprias famílias. E o Natal perde, um pedacinho, do brilho. 

Mas o dia lá fora quer contradizer-me. Amanhaceu com um sol cintilante. E quem me lê sabe que eu adoro dias de sol. É deste modo, com o sol a bater-me na cara, a aquecer-me a alma que esfriou com as circunstâncias da vida, que desejo, a vocês que passam por aqui, deixando um pedacinho do vosso amor e atenção, um Santo e Feliz Natal. Espero que todos possam ter uma noite tranquila junto dos que mais amam. Porque é isso o Natal. Tranquilidade, amor, família, carinho e presença. 

Não se confundam, não é presente, é presença.

Sejam felizes. 

 

A nostalgia do Natal

Quando as raízes se vão há coisas que, inevitavelmente, perdem o sentido!

V de Viver, 12.12.19

O Natal sempre foi a minha época favorita. Lembro-me de quando era adolescente as minhas amigas preferirem o Carnaval ou as festas da aldeia. Mas eu não. Eu ansiava pelo Natal. Quando eu era muito pequena, diria até aos meus 6 anos (mas sem certeza absoluta) nunca festejávamos o Natal. O meu tio faleceu, com dezanove anos, quando eu nasci e os primeiros anos foram passados como que dentro de uma enorme bolha de dor que rodeava toda a família. Claro que eu não sabia nada acerca disso. Era demasiado pequena, demasiado inocente. Mas ainda que não saiba especificar quando, sei que algures no minha infância o Natal passou a ser festejado.

E era a coisa mais maravilhosa de sempre.

A família toda junta, as mesas cheias de comida, o barulho das conversas dos adultos e a gritaria e os risinhos dos mais pequenos. Era como se, na nossa casa, de um momento para o outro, só existisse felicidade e amor. Recordo essas noites quentes, barulhentas e felizes com uma nostalgia que sou incapaz de explicar.

No entanto faltava sempre alguém. Os avós. O meu avós deixaram de festejar o Natal quando o meu tio faleceu. Aliás, eles deixaram de festejar fosse o que fosse. Mas no Natal de 2011 conseguimos, depois de muita, muita, mas mesmo muita insistência, convencer a avó a jantar connosco. Sim, convencer a avó, porque o avô só precisávamos pedir-lhe. E foi como se advinhássemos que o avô estava prestes a partir. Não que alguma coisa nele o demonstrasse. Não, o meu avô era a pessoa mais rija que eu conheci. Arrisco-me a dizer que com os seus 84 anos era mais rijo que qualquer outra pessoa da família. Mas no início de 2013 o meu avôzinho deixou-nos. De forma inesperada. E digo de forma inesperada porque, como já referi, ele era rijo, era a saúde em pessoa. Mas foi-se. Só ficou o vazio. Chorei dias a fio, e ainda hoje me recordo do meu avô todos os dias. Pode parecer exagero, mas é a mais pura das verdades. A minha avó, deixou-nos este ano. Foi como se outro buraco se abrisse no meu peito. De tal modo, que ainda não me sinto preparada para falar sobre isso.

Por tudo isto, este ano não há Natal. Não há avós e a dor é tanta que, pela primeira vez desde que começámos a festejar o Natal, eu não montei árvore de Natal nem decorei a casa para a época. É como se todo o encanto do Natal tivesse passado com a morte deles. Como se nos tivessem arrancado as raízes. E por esse motivo, até a dor suavizar, nada volta a ser como era. 

Este ano resta-me recordar com nostalgia as noites de Natal dos anos findos. O Natal da infância a ansiar pela hora de abrir os presentes, pela chegada dos primos. Da adoslecência a apreciar as noites longas, quentes e barulhentas, preenchidas por aquele cheirinho a comida, por aquela sensação de paz e amor. De querer um lugar na mesa dos adultos porque já me considerava suficientemente crescida. Das horas a cozinhar com a minha mãe e as minhas tias. A correria para colocar a, extensa, mesa onde toda a família levaria horas a comer, beber e conviver. E de mais tarde, já adulta, apreciar, principalmente, aquela sensação de paz, harmonia, amor e segurança por estar rodeada das pessoas mais importantes da minha vida. Das noites ao som dos risos, da alegria, com o cheiro a lenha queimada da lareira a juntar-se a todos os cheiros da comida sobre a mesa. 

Resta-me recordar e preservar com amor aqueles momentos. Momentos esses em que erámos felizes e não sabíamos.

 

Éramos felizes e não sabíamos!

V de Viver, 18.10.19

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Hoje era o aniversário da minha avó. A minha única avó. A única que me quis e que me aceitou.

Após a morte da minha avó caí na dura realidade de que não há mais avós. O avô foi-se, a avó foi-se! Aí avós se vocês soubessem como foram o nosso pilar, a nossa raiz. Se soubessem como tivemos uma infância feliz graças a vocês. Obrigada por nos terem permitido crescer da forma que crescemos. A esfolar os joelhos no quintal, a sujar as mãos com carvão para desenharmos o jogo da macaca no cimento do quintal, por sujarmos as mãos na horta, por regarmos a horta e ajudarmos a carregar a lenha miudinha. Por termos tido a possibilidade de andar de bicicleta na travessa, de apanhar caracóis, de aprendermos a caiar. Como éramos felizes por termos carretas e fazermos corridas no quintal. Por termos crescido a espalhar os brinquedos pelo quintal e na casa do lume. Por termos cozinhado a fingir com talos da couve e cascas das batatas. Por temos aprendido lenga-lengas, anedotas e advinhas. Por nos terem ensinado a jogar às cartas, o que é um naipe, um rei, um duque. Pelas tardes a ver televisão deitados no chão, só uma manta por baixo, a comer batatas fritas na hora do calor porque só depois podíamos ir fazer asneiras para o quintal. Por termos percebido o que significa comer em união numa mesa redonda com braseira, e como dizia o avô quando começávamos a falar e a fazer demasiadas perguntas: “Ovelha que berra bocado que perde”. Obrigado avô por todas as vezes que nos foi levar e buscar à escola, muitas vezes debaixo de chuva só protegido pelo fraco guarda-chuva. Obrigada pela educação, pelas reprimendas, pelos incentivos. Obrigada até pelas palmadas avó, e obrigado por nunca nos ter dado uma palmada avô. Obrigada por nos deixarem crescer livres, por nos terem aturado as birras, por terem conseguido aguentar quando nos juntávamos quatro ou cinco lá em casa e a avó dizia “Um sozinho é um santinho, juntos são uns diabinhos”. Obrigado avô por nos ensinar que nem sempre o que está partido tem que se deitar fora, que as coisas podem ser reutilizadas, pois foi isso que nos mostrou desde muito cedo, que com algumas coisas velhas se faz um brinquedo. Uma mesa para as barbies, um roupeiro, um sofá. Obrigada por nos ter feito tantos brinquedos e já agora saiba que ainda os guardamos todos. Obrigada por nos deixar brincar no alpendre. Obrigada por nos deixarem “tomar banho” dentro do tanque da roupa, e por todos os banhos de mangueira no quintal, e pela água que nos deram a beber tantas vezes directamente do poço. Obrigada pelo feijão feito ao lume e pelas migas, nunca mais ninguém irá conseguir igualar o sabor da comida dos avós.

Obrigada por tudo, por terem feito parte da nossa vida, por terem sido sempre tão presentes, e por nos terem feito tão felizes. Foi, sem dúvida, devido à vossa presença que fomos crianças tão felizes. Guardo todos esses momentos com a certeza de que não poderia ter sido mais feliz do que fui na minha infância, e de que foi, sem dúvida alguma, a melhor fase da minha vida. 

Os dias felizes na casa (e principalmente no quintal) dos avós acabaram. Mas vocês viverão para sempre dentro de nós.  

Éramos felizes e não sabíamos!