Permuta de dores
Existem dores que nos sufocam. Por vezes não sabemos de onde vêm. Outras vezes sabemos, mas fingimos não saber. Será que podemos usar uma dor para sufocar outra? Ah, sim. Podemos. Podemos e fazêmo-lo muitas vezes. Bem, pelo menos eu faço. Descobri não há muito tempo que existe um escape para os dias maus. Aqueles em que tudo está escuro. Em que, aparentemente está tudo bem, mas não por dentro. Não no interior. E, afinal de contas, se o interior estiver inquieto como pode o exterior estar em paz? Mas agora sei o que fazer para acabar com aqueles pensamentos que me sufocam. Que me envolvem a mente, que me querem fazer acreditar que nunca vou conseguir ir mais além, que nunca vou ser ninguém, que nunca serei quem quero ser. Sim. Agora sei. Levanto-me do sofá. Visto umas legging's, uma blusa, calço os ténis. Ligo a música. Bem alto. Se a música estiver alta os problemas ficam em silêncio. Ou, pelo menos, não os ouço nitidamente. Começo a treinar. Alongamentos para evitar dores depois. Evitar dores? Mas não é para isso que eu treino? Sofrer para esquecer o sofrimento. São dores. O significado da palavra pode ser o mesmo. Mas a dor é diferente. Começo agora a treinar com alguma intensidade. Começo a sentir a respiração a ficar pesada. Os músculos começam a aquecer. Sinto dores ligeiras nas pernas. Ainda não calei os pensamentos. Aumento a intensidade. Aumento mais. E mais. E mais. Agora já não consigo respirar de forma fluída. O peito começa a pesar. O coração salta. Os músculos doem. As pernas tremem. A música toca, estridente nas colunas. Será que incomodo os vizinhos? Não quero saber. Preciso de barulho para poder ficar em silêncio. E são apenas alguns minutos. Acelero mais. O relógio apita. Informa que os níveis de pulsação estão elevados. Agora estou a chegar ao meu limite. Não paro. Só mais uma série. Os músculos ardem. Os braços não aguentam mais o peso do corpo. O suor escorre por todo o meu corpo. A música grita. Eu salto. Está quase. Está quase. Não ouço mais nada. Sinto dores em todos os músculos do corpo. Até naqueles que nem sabia que existiam. Mas doem. Ardem. E assim, outras coisas deixam de doer. Afinal, podemos sim procurar dores para suprimir outras dores. Podemos sim!