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Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Coisas que eu [não te] disse

Tudo o que não consigo dizer, escrevo.

Ancorar

V de Viver, 02.02.22

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Há dias em que as certezas se esvaem. 

Em que nos fogem das mãos como água a correr num rio bravo.

Dias em que duvidas de tudo o que já fizeste, dias em que questionas todos os caminhos que já percorreste. Em que, por muito que te esforces e que digas a ti mesma que está tudo bem, sabes que não está. Dias em que sentes a falta de momentos e pessoas do passado. Em que pões em causa todas as tuas escolhas. 

Nestes dias, em que as palavras me surgem à mente mais rápido do que as consigo escrever no papel, sei que devo respeitar-me mais do que nunca. 

O tempo ensinou-me que os dias mais difíceis são aqueles em que mais se pode aprender e crescer. Que é nestes dias cinzentos, ou nos momentos cinzentos de um dia de sol, que muitas vezes encontramos as respostas que procuramos. É no silêncio, é dentro de nós, no nosso refúgio, que estão todas elas. Todas as respostas, a todas as perguntas que já nos fizemos e que ainda faremos a nós próprios estão dentro de nós. Se nós soubermos ouvir, escutar com atenção, tudo o que precisamos saber irá surgir. Saber lidar com os dias menos bons, com os momentos de escuridão que surgem na nossa vida, não é tanto uma questão de coragem ou de inteligência. É, na minha opinião, uma questão de sobrevivência. Porque só nós nos podemos salvar, só nós podemos conquistar os nossos sonhos, só nós podemos curar as nossas dores. Está nas nossas mãos. O caminho que queremos seguir no futuro depende de nós, da nossa escolha. 

É preciso resiliência para lidar com estes dias cinzentos, com estes momentos em que falta a luz. Repara. Silencia-te e repara. Mesmo nestes momentos em que tudo à tua volta está escuro, se escutares com atenção, se olhares para dentro de ti com devoção, perceberás que há uma chama que nunca se apaga. Há uma luz que, tremeluzindo lentamente, continua acesa no teu coração. Essa chama que brilha levemente e em silêncio chama-se esperança. Esperança num amanhã melhor, num amanhã com mais luz e menos escuridão. 

Pensa: quando olhas para o céu durante a noite, é ou não é mais fácil ver o brilho das estrelas se tudo à tua volta estiver envolto numa enorme escuridão? Sim, uma certa escuridão é necessária para ver as estrelas. Do mesmo modo, é preciso haver dias cinzentos, escuros e frios, para que descubras a luz que brilha em ti. A tua luz. Tu. És tu que brilhas. Tu, na mais pura essência do teu ser tens em ti um brilho que nunca se apaga. Nem mesmo nos dias mais escuros. E é nesses dias que mais precisas dela. Agarra-te a ela como quem se agarra à vida. Porque será exactamente isso que estarás a fazer: ancorar-te à vida. 

 

Fotagrafia: @henrybe

Persistentemente

V de Viver, 30.01.22

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Sinto o passado às voltas na minha cabeça.

Acordada ou a dormir sou perseguida por lembranças que teimam em ficar.

Um dia li que a vida é como uma ponte enorme. Que caminhamos nessa ponte sempre com alguém ao nosso lado, mas não é sempre a mesma pessoa. Duas pessoas. Dentre aquelas que caminharam comigo. Duas pessoas completamente diferentes. Cada uma delas, à sua maneira, fizeram-me sentir especial. 

Sonho com um, sonho com o outro. Noite sim, noite não. Sonho a dormir. Sonho acordada. Assomam-se-me à memória enquanto leio uma passagem de um livro, ou quando vejo uma qualquer cena de um filme. De supetão. Chegam sem avisar e instalam-se na minha cabeça como se tivessem prostrados no sofá da casa deles. Confortáveis. Amáveis e cheios de sorrisos. Trazem com eles apenas as boas memórias de momentos felizes. Tocam-me a pele enquanto envolvem os meus cabelos nos dedos. Cada um ao seu jeito. Mas eles não estão aqui. Mas estão. Há muito que partiram, mas estão aqui. A toda a hora. Um selvagem, rebelde. Meu. Tão meu. Ilusão. Nunca me pertenceu. Mas está aqui. Permanece aqui. Partiu, seguiu a vida dele. Mas continua em mim. Gravado em mim. Cada um deles à sua maneira. Um tempo vasto separa as duas histórias. Mas ambas continuam tão presentes em mim. É apenas uma fase, talvez seja a solidão. Talvez. O outro carinhoso, doce. A pessoa que mais carinho me deu, embora se revelasse a história mais curta da minha existência até hoje. Digo até hoje porque não sei o dia de amanhã. E também antes destas histórias eu achava que nunca as teria. Mas não sabemos. Nunca sabemos. Mas foi ele, com certeza, que me ensinou que mereço alguém que me trate bem. Ele, em contra-relógio, como se tivesse passado apenas para me provar que nada, nem ninguém, é por acaso. Que é verdade que todas as pessoas nos podem ensinar algo, que ninguém vem em vão. Aqui andam eles. Às voltas na minha cabeça. Chegam sem qualquer aviso, num cheiro, num som, num carro ou mota que passa na rua, no trânsito que não pára. Tal como a vida, que não pára. Mas eles pararam. Pararam e ficaram. Teimam em não querer sair de dentro de mim. Como fantasmas que se recusam a abandonar o sitio onde foram felizes. Chegam, instalam-se sem autorização e podem levar um dia inteiro a ir e vir dos meus pensamentos. 

Se existem pessoas que nos marcam a alma para sempre estas são duas das que marcaram a minha. Completamente diferentes. Um doce o outro amargo. Um quente o outro frio. Mas ambos passageiros. Como de resto todos nós somos neste vida. 

 

Fotografia: @alex_boyd

Retrospetiva 2021

V de Viver, 31.12.21

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Este ano não foi um ano de muita escrita por aqui. Mas acreditem foi um ano em cheio. Arrisco-me a dizer que foi o melhor e o pior ano da minha vida! Realizei sonhos, perdi pessoas, cresci através da dor mais do que poderia ter crescido pelo amor, acredito eu. Mas agora que estamos no último dia do ano posso dizer com toda a certeza que foi um ano positivo. Apesar da dor, das lágrimas, das partidas, das desilusões, foi um ano onde cresci muito. Onde cheguei ainda mais perto da mulher que quero ser. Foi um ano de coragem. Sim, fui corajosa este ano que passou, como de resto tenho sido em tantas outras situações da minha vida. Mas é difícil para nós valorizarmo-nos, vermos o quanto somos pessoas corajosas e maravilhosas. Durante muitos anos confundi isso com ser convencida. Hoje sei, com toda a certeza, que não se trata de ser convencida. Trata-se sim de ter amor próprio. Caramba! Amor próprio é uma palavra tão forte que só quem realmente o sente pode perceber o seu significado. Acredito que seja bom termos as coisas de mão beijada, mas vocês têm ideia do poder que nos dá alcançar os nossos objectivos com o nosso próprio suor? Com as nossas lutas? Acredito que muitos de vocês saibam, sim. Outros talvez não. Mas não julgo, como em tempos julguei, as pessoas a quem tudo lhes é dado. Não critico como em tempos critiquei. Nem invejo como em tempos invejei, reparem que não é fácil para ninguém admitir que já sentiu inveja. 

Sou hoje, no final deste ano de 2021, uma pessoa completamente diferente. A V. que iniciou este blog já não é a mesma pessoa. Mas a essência continua cá. 

Espero do fundo do meu coração que o vosso ano tenha sido tão revelador de vocês próprios quanto o meu. Que tenham chorado mas que tenham sorrido ainda mais. Que tenham caído mas que se tenham levantado com mais força. Porque no fim de contas é isso a vida. Constantes quedas e arranhões nos joelhos. Mas hoje sei que não é sobre a queda. É sobre como nos levantamos após a queda. Não é sobre as perdas, é sobre como reagimos a essas perdas. Não é sobre a dor, é realmente sobre como reagimos a essa dor. 

E não, nem todos os dias conseguimos reagir da mesma forma ao que a vida nos envia. Mas o que importa, na minha opinião, é aprender cada vez mais a lidar com tudo o que aparece no nosso caminho. Talvez seja esse o significado da vida, talvez seja exactamente para isso que cá andamos, para aprender, para evoluir, para nos conhecermos a nós próprios e chegarmos à nossa melhor versão. É nisto que acredito. 

Sei que as partilhas no meu (nosso) blogue este ano foram mais cinzentas. Sei que escrevi maioritariamente quando me sentia mal, mas foi o que fez sentido para mim. Peço-vos desculpa se vos trouxe alguma energia negativa porque não era, de todo, a minha intenção. Quem me segue desde o inicio sabe que não é só sobre tristeza que eu escrevo. Se derem uma vista de olhos no blogue vêm que escrevi muito sobre as coisas boas da vida também. Mas foi o que fez sentido para mim este ano. Escrevi pouco e o que escrevi talvez tenha sido mais sombrio, mas realmente o meu ano foi uma luta constante contra o meu lado sombra. Porque todos sabemos que quanto maior a luz maior a sombra. E eu acredito que seja também sobre isso a vida, sobre sermos pessoas luz. E é essa pessoa que eu quero ser. Mas nem todos os dias, nem todas as fases da nossa vida são feitas de luz. 

Deixo um agradecimento especial a todos vós por, mesmo tendo escrito menos e tendo sido mais taciturna, não terem deixado de me ler. Agradeço de coração todas as palavras bonitas que me deixaram, todos os incentivos. Sou imensamente grata a todos vós por estarem desse lado.

Sou, do mesmo modo, imensamente grata à vida por me permitir ser. Ser apenas. Não boa ou má pessoa. Ser. Nem todos os dias sou aquilo que quero ser, mas podem acreditar que todos os dias luto por isso.

Que em 2022 possamos continuar juntos e que nunca percamos a esperança e a fé, seja no que for que tenhamos fé. 

Feliz Ano Novo!

Um grande beijinho, V

Esperança

V de Viver, 24.08.21

Alguém morreu. Eu não conhecia a pessoa, nem a sua história, nem a forma como morreu. Mas era jovem, e desde sempre que a morte de pessoas jovens me afecta. Nunca soube explicar porquê. Não sei se é empatia. Ou se é medo de um dia ser eu ou um dos meus. Sei que todos nós sabemos a teoria: "devíamos aproveitar mais, preocupar-se menos e viver cada dia como se fosse o último". Sim, a teoria julgo que todos a sabemos. Mas quantos de nós colocam essa teoria, efectivamente, em prática? Eu não, confesso. Há já algum tempo que ando, novamente, dentro de mim, a conviver com o meu lado sombra. É assustador como podemos ter tanta dor dentro de nós. É inexplicável. Acredito que essa dor chegou um dia e não foi cuidada. E depois deixamos acumular dor em cima de dor. E o que acontece se deixarmos de limpar a nossa casa durante muito tempo? Acumula lixo, pó, e é muito mais difícil limpar tudo depois. Acredito que seja da mesma forma com as nossas dores. Mas não nos ensinam a lidar com elas. Ensinam-nos que devemos estar sempre bem, alegres e com pensamento positivo. Que estar triste só nos trará mais amargura. Que devemos deixar as coisas seguirem o seu rumo, que "o que tiver que ser será". E sim, eu concordo. O que tiver que ser será. Mas acredito que é preciso perceber de onde vêm as nossas dores, perceber o que temos cá dentro e depois aceitar e deixar fluir. Não devemos fugir do que estamos a sentir, porque por muito que fujamos, o que sentimos acompanha-nos, sempre. Nem sempre está tudo bem. E tudo bem em não estar sempre tudo bem. Senti necessidade de escrever isto porque, realmente, ultimamente tenho-me deixado sugar pela dor. Tenho-me sentido cada dia mais pequena ao lado da imensidão da minha dor. Não estou a conseguir identificar de onde vem isto tudo. Sou uma mulher adulta e independente. Logicamente não tenho, nem sou, tudo o que quero, mas tenho e sou mais do que um dia achei que iria ter/ser. E saber isto leva-me a sentir culpa por estar triste. Porque sei que há pessoas em situações muito piores. Infelizmente lido com a dor e os problemas do ser humano diariamente no meu trabalho. E sei, sei que há vidas piores. Mas ainda assim, e já por várias vezes na minha vida, tenho estas fases negras, estes dias de imensa dor e tristeza. Cercada daquela sensação de estar debaixo de água, a lutar por vir à tona. Mas sei que venho. Sei que mais dia menos dia a cabeça emerge e voltarei a respirar. Voltarei a ser eu. Aquela pessoa alegre e cheia de energia. Por hoje vou continuar a respeitar esta dor. Vou deixar as lágrimas correrem, mesmo que não consiga entender o motivo delas surgirem. Amanhã haverá outro dia. Mas o problema é: haverá mesmo? Estamos tão convencidos que sim, damos a vida por tão certa que às vezes me pergunto se isso não será presunção nossa. Achar que a vida vai estar sempre ali à espera para ser vivida. São questões para as quais não tenho resposta. Provavelmente ninguém terá. Talvez seja a esperança, penso enquanto escrevo. Talvez a esperança de um amanhã melhor seja o que realmente nos mantém vivos, um dia após o outro.